segunda-feira, 28 de maio de 2012


               "Como atrair os pais para a escola"




  • Todo educador sabe que o apoio da família é crucial no desempenho escolar. Pai que acompanha a lição de casa. Mãe que não falta a nenhuma reunião. Pais cooperativos e atentos no desempenho escolar dos filhos na medida certa. Esse é o desejo de qualquer professor. 

    Segundo um estudo publicado no Journal of Family Psychology, da Associação Americana de Psicologia, as crianças que freqüentam festas e reuniões familiares têm mais saúde, melhor desempenho escolar e maior estabilidade emocional. E mesmo o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Saeb), de 1999, apontou que nas escolas que contam com a parceria dos pais, onde há troca de informações com o diretor e os professores, os alunos aprendem melhor. 

    Diversos educadores brasileiros também defendem que a família realize um acompanhamento da escola, verificando se seus objetivos estão sendo devidamente alcançados. 

    Essa atuação dos pais ainda é bem rara, de acordo com os resultados de pesquisa realizada no ano passado pelo Observatório do Universo Escolar. A instituição, um braço do Instituto La Fabbrica do Brasil, parceira do Ministério da Educação, ouviu mais de 100 pais e educadores da rede pública e privada de todo país e constatou que só 13% das escolas públicas mantêm um relacionamento próximo com a família. Por outro lado, 43,7% dos pais de alunos da rede pública acreditam que, se fossem promovidos mais encontros e palestras interessantes, haveria maior integração com a escola. 

    Por que pais e professores ainda não conseguem se entender? Segundo a mesma pesquisa, a maior parte dos educadores atribui aos pais a origem dos problemas de disciplina. E apontam como fatores o novo modelo familiar, no qual os adultos permanecem pouco tempo em casa, ou ainda aquele que apresenta uma organização diferente da tradicional. 

    Confusão de papéis

    Para a pedagoga Márcia Argenti Perez, do campus da Universidade de São Paulo (USP) em Ribeirão Preto, que estuda os conflitos entre a escola e a família, a culpa é do tempo maluco em que vivemos. "Mudanças que antes ocorriam em 100 anos agora acontecem em dez e está muito difícil acompanhar as novas exigências sociais e culturais", diz. 

    Hoje há uma confusão de papéis, cobranças para as duas instituições e novas atribuições profissionais para você. "Parece haver, por um lado, uma incapacidade de compreensão por parte dos pais a respeito daquilo que é transmitido pela escola. Por outro lado, há uma falta de habilidade dos professores em promover essa comunicação", afirma outro estudioso do assunto, o professor Vítor Paro, também da USP. 

    A escola deve utilizar todas as oportunidades de contato com os pais para passar informações relevantes sobre seus objetivos, recursos, problemas e também sobre as questões pedagógicas. Só assim eles vão se sentir comprometidos com a melhoria da qualidade escolar. Muitas instituições não informam à família sobre o trabalho ali desenvolvido e isso dificulta o diálogo. "Ou os pais cobram o que não deveria ser cobrado ou ficam desmotivados e não participam de uma comunidade que não deixa claros seus objetivos e dinâmicas", afirma Márcia. 

    Como melhorar a relação

    A discussão deve avançar na procura das melhores oportunidades de promover um encontro positivo entre pais e professores. Para isso acontecer, alguns conceitos precisam ser revistos. 

    Perceba a construção da família atual e não mistifique o modelo do passado como ideal. 

    Tenha claro que é direito dos responsáveis pelos estudantes opinar, fazer sugestões e participar de decisões sobre questões administrativas e pedagógicas da escola. "A educação é um serviço público, e o pai, um cidadão que deve acompanhar e trabalhar pela melhoria da qualidade do ensino", afirma a consultora pedagógica Raquel Volpato, de Botucatu (SP). 

    Apóie a Associação de Pais e Mestres, para que ela não se restrinja a apenas arrecadar dinheiro. Não dá para contar com os pais apenas na organização de festas. 

    Para que as reuniões tenham quórum, é preciso ter objetivos bem definidos e conhecer as famílias e a comunidade em que a escola está inserida. Planejamento é essencial. "A reunião não pode ser vista como uma prestação de contas", diz a pedagoga Márcia Argenti Perez. 

    Reflita sobre os preconceitos e as discriminações existentes na escola. Não é necessariamente o grau de instrução do pai e da mãe que motiva uma criança ou um adolescente a estudar, mas o interesse em participar de suas lições de casa e da vida escolar. "Como muitos pais têm um histórico de exclusão e fracasso escolar, existe medo e vergonha de trocar idéias e conversar com os educadores", afirma Márcia. 

    Não parta do princípio de que a família precisa ser ajudada pela escola e sim de que a escola precisa dela. 

    Todo diretor tem que dar conta da participação familiar e para isso a gestão não pode ser autoritária.




"Um trio afinado"


A escola surge na vida da criança como um dos principais ambientes extrafamiliares. Lá ela inicia a socialização, compartilha conhecimentos e amplia seu universo. Essa ampliação deve funcionar como continuidade do processo iniciado em casa, onde há muito tempo ela constrói sua história. O ser humano é um todo, não se fragmenta nos espaços aos quais pertence. Em cada um deles, é um ser por inteiro. Se na família se inicia a trajetória pessoal, na escola muitos capítulos serão escritos. 

Além dessas duas instâncias, outra faz parte da vida da criança com necessidades especiais: os diversos profissionais e os serviços com os quais tem contato, como o atendimento educacional especializado. Ela é o ponto de convergência de todos esses atendimentos, que devem ser integrados. 

A necessidade de consistência e de articulação entre os diversos contextos coloca os pais e outros responsáveis na estratégica posição de articuladores e mediadores. São eles que podem fazer fluir a comunicação para integrar os envolvidos no trabalho que visa ao bem-estar e ao desenvolvimento dos pequenos. Essa mediação possibilita também que a família se beneficie das ofertas de aprendizagem, adaptações e flexibilizações, valendo-se delas para dar continuidade a essas práticas no cotidiano dos filhos em casa. 

A Educação como meio de aperfeiçoar as aptidões físicas, intelectuais e morais acontece tanto no convívio familiar como em sala de aula. A construção de mundo e a compreensão do universo escolar e do sentido da aprendizagem serão facilitadas se houver consistência entre o que o estudante vivencia no ambiente de ensino e nos demais a que pertence. 

Como depositária da história do filho, a família revela características, hábitos, modalidades de relacionamento e estilos de comunicação que podem funcionar como um ponto de partida para a construção da ligação afetiva entre a criança e o professor. 

Estudar na rede de ensino regular possibilita ao aluno com necessidades educacionais especiaisacesso aos elementos necessários para construir uma representação de mundo que lhe permita transformar-se num adulto autônomo e participativo. Tanto na família 
como na escola, ele pode experimentar o pertencimento e a diferenciação. Pertencimento, por conviver com um grupo e se perceber semelhante. Diferenciação, por ser único, não por sua deficiência, mas por sua singularidade. 

As crianças com deficiência não se reduzem a um diagnóstico. As que têm síndrome de Down não são iguais nem parecidas. Também aquelas com autismo são diferentes entre si - e isso vale para qualquer outro transtorno ou síndrome. Os pais sabem disso. As informações científicas são pertinentes para ampliar a compreensão da criança, não para rotulá-la. 

busca do professor por informações sobre transtornos e síndromes é, sem dúvida, importante. Mas, para compreender o estudante em si mesmo, é preciso recorrer à família. Só ela pode revelar com clareza a criança em sua subjetividade e particularidade. Por isso, a relação com ela deve ser valorizada.





  "Os contatos iniciais com o amigo dicionário"



  • Dicionário é "a listagem geralmente em ordem alfabética das palavras e expressões de uma língua com seus respectivos significados", segundo o minidicionário Houaiss. A definição pode dar a impressão de que se trata de algo com pouca utilidade em tempos de respostas instantâneas via internet, mas esse tipo de livro continua sendo de fundamental importância pelo rigor de suas informações. Diante disso, ele deve ser apresentado já na alfabetização inicial às crianças - elas precisam entender que o dicionário vai acompanhá- las durante toda a vida. 

    Cristiano Alcantara é professor na sala de leitura da EMEF Duque de Caxias, em São Paulo. Em parceria com os docentes responsáveis pelas aulas regulares, ele desenvolve atividades com essa publicação para turmas do 1º ao 9º ano. "Mostro aos estudantes que ela é mais prática e precisa do que os sites de busca que eles consultam na internet", diz. 

    No trabalho em conjunto com Alcantara, Regina Coeli do Couto ensina ao 3º ano os recursos que esse tipo de livro oferece. Diariamente, a professora usa textos de diferentes gêneros nas aulas, como contos, reportagens e até receitas culinárias. Ela faz uma leitura coletiva e pede que todos anotem as palavras mais difíceis, que depois são escritas no quadro e procuradas nos vários dicionários distribuídos. A atividade é adaptada para um dos alunos, que tem deficiência intelecual(leia o quadro na página seguinte)

    A investigação também é realizada para termos desconhecidos lidos em textos de outras disciplinas. E, quando a classe vai exercitar a escrita, Regina indica a mesma publicação para tirar as dúvidas de ortografia. Nos primeiros contatos, ela faz o acompanhamento individual até que todos se familiarizem com a publicação. Durante o manuseio, aproveita as curiosidades da turma e antecipa que o material estará presente nas aulas sobre verbos e outros conteúdos. 

    Na sala de leitura, Alcantara distribui exemplares de edições diferentes aos alunos e pede que compartilhem os significados encontrados para uma mesma palavra (também coletada com base em um texto trabalhado por ele ou pelos outros professores nas classes regulares). Com a busca em vários livros, o docente consegue demonstrar a diversidade de respostas existentes. "O que define o uso do significado é a compreensão do contexto", alerta. Por isso, é essencial voltar ao texto e discutir a adequação das diferentes definições encontradas. "Esse tipo de atividade também permite que a criança faça uma leitura crítica e crie opinião a respeito de cada dicionário", complementa Egon Rangel, docente da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e consultor do Ministério da Educação (MEC). 

    Nelly Carvalho, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), aponta no artigo Linguagem e Ideologia nos Verbetes do Dicionário que, apesar de esse tipo de publicação ser considerada um oráculo pelos leitores, seus verbetes carregam valores sociais e culturais. Isso também é observado nas atividades realizadas na Duque de Caxias em que se comparam exemplares de autores diferentes. De acordo com a pesquisadora, como o nome do autor não aparece junto do significado, fica a impressão de neutralidade. Mas a definição carrega a interpretação de quem a escreveu.

quinta-feira, 17 de maio de 2012

"Entrevistas"


 "Só a escola garante uma sociedade ética"

Alberto Carlos Almeida. Foto: Daniel Aratangy
Alberto Carlos Almeida

Para o sociólogo, mais tempo de estudo dará aos brasileiros valores mais nobres, essenciais para o crescimento do país.


Ética, sexualidade e família são alguns dos temas tratados por Alberto Carlos Almeida - no livro A Cabeça do Brasileiro, um desdobramento da Pesquisa Social Brasileira (Pesb), em que o sociólogo investigou os atuais valores de nossa sociedade. As obras do antropólogo Roberto DaMatta e de seus seguidores, que afirmam ser o Brasil um país antiquado, serviram de base para o trabalho.
Nos tempos de graduação na Universidade Federal do Rio de Janeiro, Almeida lia os livros de DaMatta e pensava em provar que suas definições estavam equivocadas. "Com a pesquisa, vi que, na média, elas estão corretas", afirma. Durante cerca de três meses, em 2002, pesquisadores percorreram 102 municípios para entrevistar, em casa, 2 363 pessoas. A amostra revelou um retrato desolador no que se refere aos princípios do brasileiro.
Nesta entrevista concedida a NOVA ESCOLA, o coordenador do trabalho, que cursou mestrado e doutorado em Ciências Sociais, faz relação entre o pouco tempo de estudo do cidadão e os valores ruins que possui. "Para resumir a conclusão da pesquisa em uma frase, digo que só a Educação pode melhorar uma pessoa."

O que a pesquisa realizada sob sua coordenação revelou sobre os valores do povo brasileiro?Alberto Carlos Almeida No Brasil, há a idealização de que os pobres são bons e ingênuos, e os ricos, maus e espertos. No entanto, a pesquisa mostrou que pessoas menos favorecidas economicamente e que têm pouco estudo defendem o "jeitinho brasileiro" e a violência policial e confundem o espaço público com o privado - valores considerados arcaicos. Por outro lado, quem tem nível superior e compõe a parcela mais rica apóia valores sociais democráticos, essenciais para um país desenvolvido.

Que dados confirmam isso?Almeida Um princípio que pauta as relações humanas é a hierarquia. Esse aspecto ficou claro nas respostas à seguinte pergunta: o patrão diz ao empregado que a partir daquela data ele pode ser chamado pelo pronome de tratamento você. A maioria das pessoas menos favorecidas acha que o funcionário deve continuar usando o tratamento de senhor. Outra questão apontava que os moradores de um edifício liberariam o uso do elevador social aos trabalhadores do condomínio. Grande parte desse mesmo grupo disse que o certo seria continuarem utilizando o de serviço. Para eles, pessoas diferentes têm direitos e lugares distintos. No filme Tropa de Elite, por exemplo, há espectadores que aplaudem quando a polícia é violenta. A Pesb comprova esse comportamento medieval. As pessoas não apóiam que o bandido seja preso e julgado, com direito a defesa. Elas acham certo matá-lo independentemente de ele ser ou não culpado.

É possível que os entrevistados com mais instrução tenham dado respostas "ideais" em vez de ser sinceros?Almeida As perguntas foram feitas de maneira indireta, ou seja, representavam condições hipotéticas. Por exemplo: uma mãe que está com o filho doente conhece alguém que trabalha no posto de saúde e consegue passar na frente de outras pessoas. Você acha que o "jeitinho" está sempre certo, certo na maioria das vezes, errado na maioria das vezes ou sempre errado? Para chegar a esse formato, fizemos pré-testes perguntando se o sujeito furava a fila, se conhecia alguém que fazia isso e se ele era a favor dessa atitude. A resposta era sempre não. Então, concluímos que não poderíamos perguntar desse modo, pois todo mundo mentiria. Mesmo assim, vamos supor que quem estudou mais se policiou nesse momento. Isso revela que esses indivíduos prezam alguns valores, diferentemente dos que têm menor grau de instrução, que nem sequer cogitaram essa possibilidade.






                    TECNOLOGIA NA SALA DE AULA


Foto: Marina Piedade

Maria Elizabeth Bianconcini de Almeida alerta que o currículo escolar não pode continuar dissociado das novas possibilidades tecnológicas;



Em um mundo cada vez mais globalizado, utilizar as novas tecnologias de forma integrada ao projeto pedagógico é uma maneira de se aproximar da geração que está nos bancos escolares. A opinião é de Maria Elizabeth Bianconcini de Almeida, coordenadora e docente do Programa de Pós-Graduação em Educação: Currículo, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). 

Defensora do uso das Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs) em sala de aula, Beth Almeida faz uma ressalva: a tecnologia não é um enfeite e o professor precisa compreender em quais situações ela efetivamente ajuda no aprendizado dos alunos. "Sempre pergunto aos que usam a tecnologia em alguma atividade: qual foi a contribuição? O que não poderia ser feito sem a tecnologia? Se ele não consegue identificar claramente, significa que não houve um ganho efetivo", explica. 

Nesta entrevista para NOVA ESCOLA, a especialista no uso de novas tecnologias em Educação, formação docente e gestão falou sobre os problemas na formação inicial e continuada dos professores para o uso de TICs e de como integrá-las ao cotidiano escolar. 


O que é o webcurrículo?

MARIA ELIZABETH BIANCONCINI DE ALMEIDA É o currículo que se desenvolve por meio das tecnologias digitais de informação e comunicação, especialmente mediado pela internet. Uma forma de trabalhá-lo é informatizar o ensino ao colocar o material didático na rede. Mas o webcurrículo vai além disso: ele implica a incorporação das principais características desse meio digital no desenvolvimento do currículo. Isto é, implica apropriar-se dessas tecnologias em prol da interação, do trabalho colaborativo e do protagonismo entre todas as pessoas para o desenvolvimento do currículo. É uma integração entre o que está no documento prescrito e previsto com uma intencionalidade de propiciar o aprendizado de conhecimentos científicos com base naquilo que o estudante já traz de sua experiência. O webcurrículo está a favor do projeto pedagógico. Não se trata mais do uso eventual da tecnologia, mas de uma forma integrada com as atividades em sala de aula. 



O uso das TICs facilita o interesse dos alunos pelos conteúdos?

MARIA ELIZABETH Sim, pois estamos falando de diferentes tecnologias digitais, portanto de novas linguagens, que fazem parte do cotidiano dos alunos e das escolas. Esses estudantes já chegam com o pensamento estruturado pela forma de representação propiciada pelas novas tecnologias. Portanto, utilizá-las é se aproximar das gerações que hoje estão nos bancos das escolas.



  • Paulo Freire: "Nós podemos reinventar o mundo"
  • O educador Paulo Freire não gosta de dar entrevistas. Ele reclama que a imprensa deturpa suas declarações. Ao anunciar o projeto pedagógico que pretendia implantar quando assumiu a secretaria Municipal da Educação de São Paulo, em 1989, um grande jornal paulista anunciou em manchete no dia seguinte: "A partir de agora, escrever errada será certo".



Para superar essa resistência, Nova Escola teve uma ideia: que tal convidar o também educador Moacir Gadotti, amigo pessoal e chefe de gabinete do secretário Paulo Freire, para um bate-papo com ele? Isso traria a vantagem adicional de propiciar uma conversa mais aberta e mais rica, um diálogo entre dois educadores profundamente comprometidos com a transformação da escola brasileira.

Deu certo. E o resultado foi uma aula de vida, em que Paulo Freire coloca sua aguda inteligência para refletir sobre sua experiência como secretário da Educação, sobre os rumos do ensino público, sobre liberdade, sobre democracia, e sobretudo falar de sua esperança, que ele retrata no livro Pedagogia da Esperança - Um Reencontro cem a Pedagogia do Oprimido (Paz e Terra). A esperança de que é possível acabar com a opressão, com a miséria, com a intolerância e transformar o mundo num lugar mais gostoso e mais justo para se viver. "A esperança faz parte de mim como o ar que respiro". define.

Mais importante educador brasileiro, conhecido e respeitado em todo o mundo, Paulo Freire já escreveu mais de 30 livros, entre eles Pedagogia da Oprimido, de 1968, um marco na pedagogia brasileira e que influenciou educadores em todas as partes do mundo. Aos 72 anos, Freire continua produzindo num ritmo impressionante. Desde que deixou a Secretaria, em 1991, já escreveu quatro livros - Educação na Cidade (Cortez), Professora Sim, Ta Não - Cartas a Quem Ousa Ensinar (Olho D'Água) e Política e Educação (Cortez), além de Pedagogia da Esperança. E está terminando o quinto, que se chamará Cartas a Cristina. Cristina é uma sobrinha, também educadora, com quem se correspondia nos tempos de exílio.

Por causa de sua pedagogia libertadora e sua militância política, Paulo Freire foi exilado após o golpe militar de 1964. Retornou ao Brasil em 1980, após a anistia. No exílio, desenvolveu projetos em vários países da América Latina, Europa e África, lecionou na Universidade de Harvard, nos Estados Unidos. A maior parte do tempo trabalhou para o Conselho Mundial de Igrejas, com sede em Genebra, na Suíça.

Nove anos depois do retorno, assumiu a Secretaria Municipal da Educação de São Paulo, na gestão da petista Luíza Erundina, cargo que ocupou por dois anos e meio. Acusações semelhantes às que lhe foram dirigidas durante o regime militar ele sofre agora da atual administração paulistana, chefiada por Paulo Maluf: a de desenvolver uma proposta pedagógica politizada e ideológica. Paulo Freire se defende dessas acusações nesse bate-papo com Moacir Gadotti, outro importante educador brasileiro, autor de 15 livros, dos quais os dois últimos - História das Idéias Pedagógicas (Ática) e Pedagogia da Práxis (Instituto Paulo Freire) - acabaram de ser lançados.

Freire:Eu sou esperançoso porque não posso deixar de ser esperançoso como ser humano. Esse ser que é finito e que se sabe finito, e porque é inacabado sabendo que é inacabado, necessariamente é um ser que procura. Não importa que a maioria esteja sem procurar. Estar sem procurar é o resultado, é o imobilismo imposto pelas circunstâncias em que não pudemos procurar. Mas não é a natureza do ser. É por isso que quando as grandes massas sofridas estão, como eu chamo em Pedagogia da Oprimido, mais imersas do que emersas na realidade social, política e econômica, estão sendo proibidas de ser. Por isso é que elas ficam apáticas. A esperança não floresce na apatia. Cabe ao pedagogo, ao filósofo, ao político, aos que estão compreendendo a razão de ser da apatia das massas - e às vezes da apatia de si mesmos - a briga pela esperança. Eu não posso desistir da esperança porque eu sei, primeiro, que ela é ontológica. Eu sei que não posso continuar sendo humano se eu faço desaparecer de mim a esperança e a briga por ela. A esperança não é uma doação. Ela faz parte de mim como o ar que respiro. Se não houver ar, eu morro. Se não houver esperança, não tem por que continuar o histórico. A esperança é a história, entende? No momento em que você definitivamente perde a esperança, você cai no imobilismo. E aí você é tão jabuticabeira quanto a jabuticabeira.






  SUSTENTABILIDADE VOCÊ FAZ O PLANETA SENTE

Para garantir o bem-estar da humanidade, são necessárias novas maneiras de pensar e de agir. Dar o primeiro passo é essencial para que o mundo seja mais justo e o meio ambiente equilibrado. Você e a escola têm tudo a ver com isso.


Você faz, o planeta sente. Ilustração Alessandra Kalko. Foto Aldré Spinola e Castro
O termo sustentabilidade tem se tornado cada vez mais popular, especialmente no mundo dos negócios. Você já viu anúncios em que empresas alardeiam medidas nesse campo procurando ser vistas como instituições preocupadas com nosso planeta, não é mesmo? Mas a questão é bem mais abrangente - e tem tudo a ver com você e com a Educação. Um dos preceitos básicos da sustentabilidade é a relação entre as coisas. As ações de cada um repercutem na família e, em cadeia, na escola, no bairro, na cidade, no país e no mundo. Não se deve ver isso como um peso nas mãos de cada indivíduo e nem uma responsabilidade do governo e de grandes corporações, mas considerar que cada um de nós é participante de um sistema e deve fazer o que estiver ao seu alcance para o equilíbrio dele. Como diz o físico austríaco Fritjof Capra, autor do livro O Ponto de Mutação (Ed. Cultrix, 432 págs., 52 reais) e fundador do Centro de Ecoalfabetização, nos Estados Unidos: "A sustentabilidade não é uma propriedade individual, mas de uma teia completa de relacionamentos".

O termo começou a tomar forma em 1972, quando o economista polonês naturalizado francês Ignacy Sachs falou em ecodesenvolvimento. Já na década de 1980, o norte-americano Lester Brown, presidente do Worldwatch Institute (WWI), defendeu a importância de satisfazer às próprias necessidades sem reduzir as oportunidades das novas gerações. O tema ganhou maior repercussão, contudo, na Rio 92, a Conferência das Nações Unidas sobre Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, realizada no Rio de Janeiro.

Na época, vários segmentos da sociedade se pronunciaram a favor da ideia e pensavam em uma nova maneira de conduzir o desenvolvimento das nações, não só com o objetivo de melhorar o desempenho econômico mas também considerando que o planeta tem recursos naturais finitos. Para eles, qualquer atividade, seja de uma instituição, seja de uma pessoa, deveria respeitar três pilares: ser economicamente viável, socialmente justa e ambientalmente correta.







Hoje, os especialistas indicam que não há um modelo único de desenvolvimento, mas que outros aspectos devem ser levados em conta, como o respeito às diversidades culturais, as políticas de longo prazo e a ética. Outro item pode ser acrescentado à lista: a mudança de atitude. "O redimensionamento dos princípios ou valores humanos é essencial para que mais pessoas vivam num ambiente harmônico e respeitoso", diz Andrée de Ridder Vieira, coordenadora geral do Instituto Supereco, em São Paulo.

As cinco escolas apresentadas nesta reportagem exemplificam bem essa diversidade ao implementar iniciativas relacionadas ao cuidado com crianças de creche e pré-escola, à resolução de conflitos, ao uso negociado do espaço, ao combate ao desperdício de merenda e à redução no valor da conta de energia elétrica. Embora elas tenham surgido em resposta a demandas específicas, os projetos resultaram em mudanças de atitude, com reflexos nos campos econômico e social, entre outros.

Professores e gestores tiveram a sensibilidade de observar a realidade, refletir sobre o que não estava funcionando bem e buscar uma solução - movimento que não termina nunca. Por isso, não basta organizar a coleta seletiva do lixo. É preciso pensar na relação entre as pessoas, compartilhar oportunidades de conhecimento e, sim, discutir sobre o cuidado com o lixo e sobre tudo o que está ao redor.

Em sala, o tema deve ser tratado de maneira transversal e relacionado aos conteúdos. E, para ser coerente, a escola deve dar o exemplo. "Se o ambiente é agradável e respeitoso, os alunos levam para casa e para a vida essa mesma exigência na maneira de ser", diz Sueli Furlan, selecionadora do Prêmio Victor Civita - Educador Nota 10 e docente do Departamento de Geografia da Universidade de São Paulo (USP).

Especialistas do mundo inteiro estarão no Rio de Janeiro em junho para discutir o assunto durante a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20. Novos olhares para esse emaranhado de relações podem surgir. "A sociedade, apoiada na ideia do desenvolvimento econômico, precisa ser desconstruída para ser transformada. Embora se pense na questão há mais de 40 anos, pouco se alterou na vida prática. Temos urgência de mudanças e, com a participação de todos, é mais fácil isso virar realidade", afirma a especialista em Educação Ambiental Rachel Trajber, responsável pelo setor de Educação do Instituto Marina Silva, em Brasília.